segunda-feira, 1 de maio de 2017

A Bíblia e o Direito


Este artigo foi escrito à Associação Nacional dos Juristas Evangélicos – ANAJURE, em processo seletivo no qual se concorria a uma semana de aulas sobre liberdade religiosa e suas facetas na sociedade brasileira. Fico feliz em ter sido aprovado e aproveito para compartilhar este texto, de modo que sirva para edificação da Igreja e Glória do Senhor Jesus. Eis o artigo:
Trata-se de grave erro cometido pelos operadores do Direito desconsiderar as contribuições e inspirações que a Cosmovisão Cristã – considerando-se para tal toda a Escritura Sagrada: Antigo e Novo Testamentos – propiciaram ao Direito. Muitos dos valores atualmente internalizados pelo Direito têm sua origem nos ensinos da Bíblia.
Ao se traçar um breve relato comparativo entre as verdades teológicas e o Direito, verifica-se que as Sagradas Escrituras serviram como fonte inspiradora do Direito através dos séculos. Nesse prisma, pode-se verificar, por exemplo, a previsão da Lei de Deus quanto ao devido processo legal. Além disso, confere-se nas Sagradas Escrituras uma das primeiras distinções da História entre dolo e culpa.



Ao prever cidades de refúgio[1] para aqueles que cometeram um homicídio sem a intenção de matar, ou seja, sem animus necandi, o Direito Mosaico assegura que o homicida seja posto em uma cidade separada até que aguardasse um julgamento justo por quem de Direito, ou seja, por um juiz natural da época. Vê-se claramente que conceitos jurídicos tão largamente utilizados hodiernamente como dolo/culpa, devido processo legal e juiz natural têm sua origem há cerca de 3.600 anos, consoante previstos na Bíblia.
Ainda de forma comparativa, as diretrizes bíblicas já orientavam aos magistrados quanto à impessoalidade ao julgar, ao preconizarem que não deveria haver injustiça no juízo, nem favorecendo o pobre, nem comprazendo ao grande; com justiça deveria ocorrer o julgamento do próximo[2]. O próprio Cristo revolucionou os aspectos legais da época, ao derrogar a famigerada lei de talião, a qual previa a recompensa na mesma medida. Jesus assim disse:
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.[3]
Vê-se nas palavras de Jesus a proibição da “justiça pelas próprias mãos”, ou seja, da autotutela. No Direito, a tutela Jurisdicional é monopolizada pelo conceito de Jurisdição, por meio da qual a aplicação do norma é atividade exclusiva do Estado.
Ademais, vencida a falácia de que os preceitos cristãos em nada podem contribuir para a sã normatização e aplicação do Direito, há que se tecer alguns comentários quanto à relação entre o Direito e a defesa da liberdade religiosa.
A liberdade religiosa tem sofrido grandes ataques, principalmente por ideologias pautadas em preceitos contrários aos ensinos religiosos.
É intrínseco ao ser humano o direito de se expressar e de crer. Um dos grandes iluministas da História da Humanidade, ateu diga-se de passagem, foi Voltaire, o qual disse com propriedade: “Posso até não concordar com nenhuma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de falar.” Voltaire expunha, no séc. XVIII, o direito básico de pensar, expressar-se e até de crer.
O italiano Giovanni Pico Della Mirandola, em sua obra escrita no séc. XV: O Discurso sobre a Dignidade do Homem, defende que a dignidade do homem – tão em voga nos discursos jurídicos atuais – está relacionada a dois principais fatores, quais sejam: o Direito de filosofar, ou seja, de pensar, e o Direito de crer.
Outrossim, clarividente é que a liberdade religiosa se trata de uma conquista fundamental do homem, não podendo ser restringida, mitigada ou suplantada por aqueles que não concordam com a religião. Ademais, vê-se constantemente o discurso – como álibi de que o direito de liberdade religiosa não pode ser exercido em sua plenitude – de que a liberdade religiosa tem limites, como por exemplo, a proibição de que a religião interfira na ideologia do Estado. Ora, os defensores dessa falácia esquecem, ou fazem questão de olvidar, que o Estado é laico, mas as pessoas que o compõem não o são. Além disso, o conceito de separação entre Estado e Igreja é utilizado com sentido contrário ao seu real significado.
Recorrendo à História, constata-se que a primeira vez em que se usou a expressão “separação entre Estado e Igreja” foi na carta de Tomas Jefferson a uma Igreja Batista na cidade de Danbury, Estado do Connecticut, que dizia o seguinte:
Acreditando com vocês que a religião é uma questão que diz respeito exclusivamente ao homem e seu Deus, que ele deve prestar contas a ninguém mais por sua fé ou culto, que os poderes legislativos do governo estendem-se somente a ações e não a opiniões, contemplo a reverência soberana desse ato de todo o povo americano, que declarou que seu legislador ‘não fará nenhuma lei respeitante ao estabelecimento de religião ou à proibição de seu livre exercício’, construindo, assim, um muro de separação entre Igreja e Estado.”[4]
Desta feita, ao contrário do que se apregoa com o discurso “separação entre Igreja e Estado, é que este não pode interferir no Direito de liberdade religiosa, tão caro às sociedades civilizadas.
Portanto, a cosmovisão cristã teve e continuará tendo influência sobre o Direito, dado que é impossível extrair a fé dos indivíduos, indivíduos estes que se relacionam socialmente, relação esta dirigida e supervisionada pelo Direito, o que, por conseguinte, conflui para necessidade de defesa da liberdade religiosa, valor de suma importância a todo ser humano.
Grande abraço,
Referências:
[1] Cidades de refúgio: Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando passardes o Jordão à terra de Canaã, fazei com que vos estejam à mão cidades que vos sirvam de cidades de refúgio, para que ali se acolha o homicida que ferir a alguma alma por engano. E estas cidades vos serão por refúgio do vingador do sangue; para que o homicida não morra, até que seja apresentado à congregação para julgamento. (…) Serão por refúgio estas seis cidades para os filhos de Israel, e para o estrangeiro, e para o que se hospedar no meio deles, para que ali se acolha aquele que matar a alguém por engano. Nm 35:9-15
[2] Levítico 19:15.
[3] Mateus 5:38-41

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