domingo, 18 de junho de 2017

Muito além do ‘pink money’: o que a militância LGBT quer das empresas

Participante da Parada do Orgulho LGBT no ano passado.© Paulo Pinto Participante da Parada do Orgulho LGBT no ano passado.

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Para a 21ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que acontece neste domingo, o Uber contratou um trio elétrico para a cantora Anitta se apresentar. Não há dúvias de que a empresa, que nas últimas semanas teve seu nome estampado em notícias envolvendo casos de assédio sexual, sexismo e bullying, terminando com o afastamento por tempo indeterminado do seu presidente, Travis Kalanick, tenta melhorar a sua imagem se ligando a causas de grande engajamento. Em outro trio, a cantora Daniela Mercury se apresentará patrocinada pela Skol. A marca de cerveja da Ambev, que no início deste ano fez uma campanha para tirar de bares os seus próprios cartazes com publicidade machista, também lançará uma edição especial de lata para a Parada Gay deste ano.
Nos últimos anos é visível o movimento das marcas para atrair a atenção e a simpatia do público gay. Em 2015, a Tiffany, a grife de joias mais famosa do mundo, fez um anúncio de alianças com um casal de homens. Em quase 180 anos de história, aquela foi a primeira vez que a empresa dirigiu-se aos consumidores homossexuais. Naquele mesmo ano aqui no Brasil, o Boticário veiculou um anúncio para o dia dos namorados com casais gays trocando presentes. E teve de enfrentar, por parte de grupos homofóbicos, uma enxurrada de críticas, boicotes e até um processo movido no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) por suposto “desrespeito à família brasileira”. Acabou sendo absolvida no Conar e ainda levando o prêmio máximo no Effie Awards Brasil 2015, premiação do mercado publicitário.
Neste ano, a Natura, Renner e Vick, foram algumas das marcas que apostaram na diversidade nas propagandas do Dia dos Namorados. Ao que parece, a publicidade abriu uma porta importante para a igualdade. E esse caminho não deve ter volta. O chamado pink money, ou o poder de compra da comunidade LGBT, não pode ser desprezado mais pelo mercado. Mas da porta para dentro, o que as empresas estão fazendo, de fato, para se tornarem diversas?
Reinaldo Bulgarelli, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e sócio da Txai Consultoria, que trabalha o tema da diversidade com as empresas, diz que de fato, sozinha, a publicidade não será capaz de mudar a realidade corporativa para os profissionais LGBT. Mas já é um primeiro passo. “Pode ser uma porta de entrada para você estabelecer uma conexão com o tema”, diz. “A mensagem pode ser algo como ‘já que você deu este passo da propaganda querendo o nosso dinheiro, venha com a gente para ajudar a mudar esta realidade”.
Pensando em convocar as empresas para a empreitada, foi criado, em 2013, o Fórum Empresas e Direitos LGBT, do qual Bulgarelli é secretário-executivo. A ideia é que as companhias se comprometam com uma carta de 10 compromissos elaborados pela entidade. Dentre eles estão sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBT, e promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBT na comunidade.
O Fórum parte do pressuposto de que não faz sentido criar somente programas internos de inclusão e diversidade. É preciso ultrapassar os muros da empresa e levar essas políticas para fora. “O principal do fórum é não olhar só para dentro, mas ajudar o empresariado brasileiro a elevar o patamar a favor dos direitos LGBT”, explica Bulgarelli. "Muitas empresas têm práticas internas incríveis, mas não vem para o fórum. Lembra da história da lâmpada na Paulista? [em 2010, um jovem gay foi agredido com uma lâmpada fluorescente na avenida Paulista por cinco garotos] Então, a empresa está cuidando do ambiente interno e isso é muito legal, mas enquanto isso, o colaborador dela está apanhando na Paulista. É disso que se trata”, explica.

Um dado que exemplifica bem que a cultura em prol da diversidade ainda tem de dar muitos passos no meio corporativo no Brasil é a quantidade de companhias brasileiras que participam do fórum: de um total de 38, apenas quatro são nacionais. Bulgarelli explica que no universo empresarial ainda existe um medo de se posicionar. “O mundo brasileiro é meio alheio a discussões globais”, diz. “E o Brasil é um país muito violento de forma geral”. Ele conta que já ouviu de empresários que preferem “perder dinheiro” a se posicionar.

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