O aplicativo de encontros Tinder torna fácil se conectar e conversar com várias pessoas ao mesmo tempo – e torna igualmente fácil para o usuário se esquecer de todas elas.
Mas o Tinder não esquece. Pelo contrário: armazena tudo em sua base de dados.
A jornalista Judith Duportail, uma das 50 milhões de pessoas que usam a plataforma americana, se perguntou o quanto o Tinder sabia sobre ela.
"Faz vários anos que uso o app e me dei conta que a cada interação eles sabem um pouco mais sobre mim", diz a francesa à BBC.
Judith então pediu ao Tinder que lhe enviasse tudo o que sabia sobre ela.
800 páginas de informação pessoal
Com ajuda do ativista Paul-Olivier Dhaye e do advogado Ravi Naik, ela enviou um e-mail aos responsáveis pelo aplicativo para que eles lhe dessem acesso aos seus dados pessoais armazenados.
Dehaye explicou que o processo foi exaustivo, com dezenas de trocas de e-mails e meses de espera.
São informações que, de acordo com a lei de proteção de dados da União Europeia, todos os cidadãos têm o direito de saber.
É preciso enviar um e-mail para privacyinquiries@gotinder.com com o assunto Subject Access Request (pedido de acesso).
No Brasil, no entanto, o Marco Civil da Internet não regulamenta em detalhes os direitos e deveres de empresas e usuários quanto aos dados privados e não prevê a possibilidade dos usuários visualizarem as informações que as empresas armazenam sobre eles. O projeto de lei que regulamenta a utilização de dados privados, o PL 5276/2016, aguarda votação na Câmara dos Deputados.
O Tinder, portanto, não é obrigado a fornecer os dados que armazena dos usuários brasileiros.
A empresa diz que revisa todos os pedidos mesmo assim. "Respondemos de forma apropriada e dentro do tempo hábil necessário, levando em consideração a aplicabilidade das leis e o padrão das práticas e políticas do setor", afirma, em nota.
Judith, por sua vez, recebeu uma resposta maior do que esperava: um documento de 800 páginas.
Havia mais de 1.700 mensagens enviadas e recebidas, seus likes no Facebook, as fotos do Instagram (incluindo as postadas depois de Judith ter desvinculado as duas contas), dados de GPS e a frequência e os horários em que usava o aplicativo, entre outros dados pessoais.
Oliver Keyes, especialista em dados na Universidade de Washington, disse a ela que todos os apps que usamos regularmente no celular mantêm o mesmo tipo de informação.
Abrindo os olhos
"Ler todos os meus dados pessoais me fez perceber algumas coisas sobre mim mesma. A maneira como eu me comportava era pior do que eu pensava. Eu ignorava pessoas, copiava as mesmas mensagens para várias delas", diz.
A jornalista afirma, porém, que ter consciência da magnitude de dados que o Tinder guarda não a fez desistir de usar o aplicativo, onde conheceu "pessoas maravilhosas".
"Mas a partir de agora tomarei medidas de segurança", afirma.
Em seu site, o Tinder explica que é possível configurar seu perfil para ter menos ou mais informações sobre você. O aplicativo também pode usar seus dados para fins publicitários.
Judith diz que gostaria, por exemplo, que suas conversas não tivessem ficado registradas. Ela não foi capaz de apagar todas as informações que o aplicativo tinha sobre ela – os termos de uso garantem que as informações fornecidas sejam de propriedade da empresa.
"Ao usar um app de encontros, você se sente segura porque ninguém está olhando. Mas é preciso ter em mente que nenhuma dessas mensagens te pertence: elas são propriedade da empresa", diz ela.
"Os termos de uso deveriam ser mais simples e fáceis de entender", opina ela.
Especialistas em segurança disseram que essas 800 páginas são apenas uma pequena parte do que o aplicativo sabe sobre ela. "Eles também têm dados sobre quanto tempo outros usuários passam em meu perfil, que tipo de homem gosta de mim e que de tipo coisa me faz reagir", prossegue Judith.
"O bom de poder ver seus dados é abrir os olhos para quanta coisa pessoal colocamos na internet."
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